
Estressado e irritado, passando em frente à cafeteria perto de sua nova casa, decidiu entrar e relaxar um pouco. Nunca havia parado ali. Mas precisava esquecer o terrível dia que estava tendo, antes de chegar em casa. Desejou ter um bom livro no carro. Poder escapar desse mundo, nem que fossem por alguns minutos...
Conseguir uma vaga não foi tão difícil, pelo menos. Conformando-se com o jornal que repousava no banco do passageiro, entrou e foi direto ao caixa. Pediu seu café expresso e procurou um lugar para sentar. Claro que não havia. Enfim, seu dia não estava para brincadeira. Até simples coisas, como tomar um café, poderiam tornar-se difíceis, dentro daquelas 24 horas.
Com a bandeja nas mãos, olhou ao redor, em busca de uma solução. Em uma mesa ao lado de uma pequena palmeira, bem na janela, uma mulher sentava sozinha, lendo um livro. Reconhecendo sua única opção, encaminhou-se à mesa, timidamente, e pigarreou.
- Hum-Hum, licença... Será que eu poderia sentar aqui? É que todas as mesas estão ocupadas...
- Ahn... Claro. - respondeu, com um meio sorriso.
- Obrigado. – sorriu o homem, sentando-se e olhando para o livro nas mãos dela. – “A Menina que Roubava Livros”. Esse livro é muito bom.
- É... eu sei. Na verdade, é a segunda vez que leio. Acho que é meu preferido. - disse, em um tom que encerrava a conversa, e voltou para sua leitura.
Ele ficou ali, tomando seu café expresso e lendo o jornal. Vez ou outra, desviava o olhar das notícias do mundo, para dar uma espiada na sua companheira de leitura daquele início de noite.
Era uma mulher muito bonita. Com um corpo, até onde se podia ver, na medida certa. Parecia ser alta. Pernas longas, ligeiramente torneadas. Seios lindos, e muito bem aproveitados em um generoso decote, onde se escondia um pingente, pendurado no final de uma fina e provocante corrente. Tinha os cabelos castanhos e cacheados, um pouco acima dos ombros, que emolduravam perfeitamente seu rosto inocentemente astuto (se é que isso poderia existir). Seus grandes olhos âmbar tinham um quê adocicado e decidido, e brilhavam, alimentando-se das palavras que dissera serem suas preferidas. Em sua boca carnuda e rosada, um sorriso brincava, querendo aparecer, mas se escondendo, como para provocar aquele homem a ficar ali, esperando que ele enfim resolvesse mostrar-se.
A verdade é que, vez ou outra, ele conseguia desviar o olhar daquela mulher, para dar uma espiada nas notícias do mundo. Ainda assim, sem conseguir absorver qualquer palavra. Estava hipnotizado. Aquele dia, definitivamente, estava decidido a ser o mais problemático de sua vida.
Em um movimento incerto, ela virou um pouco a xícara à sua frente, para constatar seu conteúdo vazio. Olhou em volta, aparentemente procurando uma garçonete, marcando a página e fechando o livro. Ansioso, ele não resistiu.
- Você quer mais café?
- Oi? Er... não. Era chocolate quente. Do café, eu só gosto do cheiro. E muito. – Riu-se, corando um pouco.
- Só do cheiro? – Perguntou ele, desesperado pra manter a conversa, mesmo que aquilo o incomodasse um pouco.
- Ahã. Sou apaixonada pelo cheiro de café. Pena que o gosto não fique à altura. Odeio o amargo que fica, no final. – completou, com uma careta graciosa. Essa mulher parecia conseguir juntar, em si, adjetivos totalmente opostos com muita facilidade.
A garçonete apareceu, e ela pediu um pão de queijo, junto com o novo chocolate quente. Então, virou para o homem com quem dividia a mesa, e perguntou:
- Você não vai querer mais nada?
- Ahn, claro. Eu vou querer um... – começou, analisando o cardápio que a garçonete trouxera, rapidamente – um folhado de queijo e presunto, e... acho que também vou de chocolate quente. É, é isso. Por favor.
A garçonete se afastou, e, quando ele olhou para a mulher ao seu lado, ela estava olhando para suas mãos em cima da mesa, com um sorriso curioso. Ele ficou intrigado, e levou suas mãos, rápida e inconscientemente para debaixo da mesa, onde começaram a suar, nervosas. Ela levantou os olhos para ele.
- Esse chocolate quente é viciante. Você nunca mais vai querer saber do café.
- Espero que isso não aconteça... Eu amo café. Meu relacionamento com ele vem de anos. Acho que ele não vai suportar se eu o trocar pelo chocolate, a essa altura da vida. – O que ele estava fazendo??
- Hum, isso é perigoso. Ninguém aqui vai querer magoar o café. Acho melhor você trocar seu pedido...
Mas ele não trocou. Tomou o chocolate. Conversou com aquela linda e interessante mulher por algumas horas, finalmente esquecendo o dia que tivera. Até que seu celular tocou e ele sentiu-se obrigado a ir para casa.
Nunca mais voltou àquela cafeteria, ou encontrou a Mulher-do-Chocolate-Quente. Mas toda vez que o pedia, ao invés do seu habitual café, sentia uma pontada de culpa, como se aquilo significasse, na verdade, que estivesse traindo sua esposa.