segunda-feira, 23 de junho de 2014

Alguma-coisa Neto

- Oi. Tu és novo aqui.

- Isso é uma pergunta?

- Não. Tô dizendo que nunca te vi aqui.

- Hum. Ok.

- Ok. Eu vou querer um expresso, por favor.

- Um expresso...

- Não! Não. Eu quero um cappuccino.

- Expresso ou cappuccino?

- Talvez um chocolate...?

- É pra eu decidir?

- Não. Eu vou... Tu podes escolher? É que eu ainda não sei o que tu fazes de melhor.

- Posso, mas tu não podes reclamar.

- Prometo.

- Certo.

- O que vai ser?

- Surpresa.

- Hum...

- Que foi?

- Do jeito que a coisa tá, eu ando com medo de surpresas.

- E como a coisa tá?

- Tu és novo aqui.

- Eu sei. E tu já disseste isso. Só não tô entendendo o que mais tu queres que eu diga.

- Olha, eu venho aqui todos os dias. Tu vai ser responsável por pelo menos uma alimentação minha por dia, cinco vezes por semana. É essencial que a gente se dê bem.

- Imagino que sim...

- Certo. Qual teu nome?

- Neto.

- Neto? Quem é Neto é Alguma-coisa Neto.

- Achei que a gente tivesse que se dar bem.

- E a gente começou bem. Esse chocolate tá delicioso! Isso é bom. Brigada, Alguma-coisa Neto.

- Francisco.

- Ah, todo esse mistério por Francisco? Eu cheguei a pensar que seria bem pior.

- É que eu não gosto mesmo.

- Eu sei como é.

- Não gostar do nome?

- Não gostar mesmo.

- Hum...

- Tem sido bem difícil no trabalho. Acho que todo mundo tem períodos assim, né? Nada é sempre bom.

- Bom, meu mais novo emprego é num café...

- Mas é interessante, não é? Eu já trabalhei num café. Conheci muita gente interessante.

- Até agora, a tua aparição foi a coisa mais interessante. Ou estranha. Tu és um pouco estranha.

- Essa semana tá estranha... E agora ainda tem o Ivan.

- Ivan?

- É, o cara que trabalhava aqui antes. Sabe o que aconteceu com ele? Ele era um bom ouvinte.

- Acho que ele arranjou outro emprego.

- Poxa... Que bom... Ele me disse mesmo que tava procurando outra coisa...

- Tu não pareces achar que isso é bom.

- Às vezes, eu posso ser bem egoísta. E a semana tá realmente difícil. Acho que eu só não queria que mais alguma coisa tivesse mudado... Mas o teu chocolate é muito bom. Tu és um bom ouvinte?

- Acho que sou.

- Então acho que nem foi uma mudança ruim... eu gosto mesmo de chocolate. Bem mais do que gosto de cappuccino. E o do Ivan era incrível! Vou sentir falta dele...

- Tu és bem estranha...

- Espero que exista um bom sentido pra “estranha”, e que eu seja estranha no bom sentido.

- Ainda tô decidindo...

- Acho que vais ter tempo pra isso. Brigada pelo chocolate, Neto. Foi a melhor parte do meu dia.

- Disponha...

- Tenho que ir. Até amanhã.

- Até amanhã...

- Lia. Meu nome é Lia. Maria Lia, na verdade. Mas é Lia.

- Tá, Lia. Até amanhã.

- Tchau.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Corte por corte…

Tava quente. São Paulo tava tão quente que até os paulistanos pareciam estranhar. Alguns dizem que eu já deveria estar acostumada, mas quem disse que é possível se acostumar com o calor? Mesmo assim, com um bom banho, tirei a preguiça que me consumia e saí – atrasada, claro. Arrependi-me assim que atravessei o portão de casa. A cada passo que dava, pensava no conforto meu quarto, sem sol, com a temperatura mais que agradável e um filme qualquer pra passar o tempo. Mas segui em frente.

Linha verde. Em pé. Linha amarela. Em pé. Fila pro Circular. Nada fora do normal do caminho pra USP. O ônibus chega, a fila anda, e ele aparece pra acabar com a normalidade. Eu seguia no ritmo da fila, enquanto ele vinha no sentido contrário, totalmente alheio à minha existência, e passou por mim como se eu não fosse mais que um poste ou uma coluna da estação. Eu, lógico, já pensando que só mudaria o corte do cabelo dele.

Subi no ônibus e consegui, finalmente, sentar. Dediquei um último pensamento ao estranho com o cabelo errado, e voltei pro livro que havia sido momentaneamente esquecido. Como esperado, o ônibus encheu. Muito. Levantei os olhos em busca de alguém que precisasse de ajuda, ou até mesmo sentar – política da boa convivência do transporte coletivo, gente, vocês sabem –, e lá estava ele. Em pé, bem na minha direção, encostado do outro lado do corredor, ainda sem notar a minha presença no mundo. Tudo bem. Meu livro é muito mais interessante que esse cabelo sem corte emoldurando esse queixo quadrado. Tá. Mentira. Mas o livro tava lá e eu podia ao menos fingir.

Chegando perto da FFLCH (leia-se: fefeléch), levantei e o máximo que consegui foi um limitadíssimo espaço em uma das escadinhas, sem a menor possibilidade de encontrar uma base pra manter o equilíbrio, e com o apoio de apenas uma mão, enquanto o motorista, obviamente louco, corria pelas rotatórias da USP. Eu tentava com todas as minhas forças não cair e manter o controle, mas a alça da minha mochila escorregou do meu ombro e, de repente, não senti mais seu peso ou qualquer sinal de que ela tivesse caído no chão. Confusa, olhei pra baixo em busca da mochila, quando ouvi uma voz bem atrás de mim:

- Aqui.

Olhei pra trás, e era ele. Sorrindo, segurando a mochila e colocando a alça novamente no meu ombro.

Ora, quem se importa com o cabelo??

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

No prego.

- Uma vez eu li um texto da Tati Bernardi que dizia que mulher é assim mesmo. Todas nós vamos até o fim. A gente da tudo de si, faz tudo o que pode… aí acaba. E isso também é igual pra toda mulher: quando acaba, acaba. Não tem mais chance, choro ou volta. Não tem mais espaço pra ele na nossa vida, nem a gente quer fazer qualquer esforço pra que eles caibam novamente. É o fim de tudo. Da insegurança, da incerteza, do sofrimento e do sentimento. E não é uma decisão. Isso simplesmente acontece. É como quando acaba a gasolina, e parar o carro deixa de ser uma escolha. Ele vai parar, querendo ou não. E é assim com a gente, o sentimento esgota e tudo para.

- É assim que tu te sentes?

- Não exatamente. Pra ser exatamente assim, eu precisaria ter tentado, e eu nunca tentei realmente. Nunca esperei por algo que sabia que não viria. Claro que parte de mim sempre quis esse algo, mas… eu sempre soube.

- É… Foi diferente.

- Foi. Mas, ainda assim, igual. Afinal teve aceitação, justificativas, resignação, choro, orgulho ferido, expectativas, decepção, tanque na reserva e prego de gasolina.

- Quê?

- Teve, não teve? Eu sei que todo mundo achava que uma hora eu ia parar em algum posto, encher o tanque, fazer o retorno, voltar até a bifurcação e pegar uma estrada diferente.

- Eu achei…

- Pois é, só que nessa estrada não tem posto de gasolina.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Meu sorriso sem graça chorou

E então já não me importa que todos saibam, muito menos o que têm a dizer sobre o que já foi e o que há de vir. Não quero ouvir “eu te falei”, nem quero condescendências. Ninguém me preparou pra isso. Ninguém disse que ia doer tanto. Não quero que venham com conselhos, ombros ou lenços. Não me apareçam com notícias, consolações ou novos caminhos. Não quero mais ver, saber o que acontece, pra onde vai, muito menos com quem. Não quero pensar em filmes ou músicas. Não quero mais nada. Não quero mais. Só quero esquecer tudo isso. Deixar pra trás. Ou fingir que tudo ficou pra trás, até, quem sabe um dia, finalmente acreditar que não perdi nada, que nada me faz falta, e que o que eu tinha antes não era muito mais do que esse quase nada que perco hoje.

terça-feira, 29 de março de 2011

Rebeldias à parte…

- Eu cheguei a acreditar que isso não existia… ou que pelo menos não existiria pra mim, porque eu via as outras pessoas vivendo isso, mas resolvi acreditar que eu simplesmente não nasci pra isso, que eu não merecia, por alguma razão cósmica ou não, ser feliz com alguém. Tava realmente desacreditada.

- Não fala besteira, Li.

- É sério. Eu já tinha me conformado com a minha condição de solteirona, aquela que toda a família olha meio torto, se perguntando o que realmente acontece na vida daquela pobre prima solitária… “certeza que ela é sapata!”… “deve dar pra todo mundo escondida”… eles imaginam de tudo, eu sei.

- Lia, quanto absurdo… quer parar de pensar em tanta bobagem? Essa tua cabecinha não tem limites, mesmo. Tenta desligar isso, e presta atenção no filme.

- Não, Caio, tu não estás entendendo. Eu realmente achava que tava fadada ao solteirismo eterno. Eu acreditava piamente que todos os péssimos “não-relacionamentos” que eu tive eram exatamente aquilo que eu merecia, e que eu os mereceria para todo o sempre. E isso aqui é tão diferente! Nunca pensei que isso poderia acontecer de verdade. É maravilhoso! Sabe? É uma coisa que eu nunca senti antes, é uma sensação de bem-estar, de paz e tranquilidade, mas também de uma ansiedade prazerosa… eu nunca achei que isso fosse possível! Sempre foi uma agonia, uma incerteza… ou até mesmo uma certeza do pior. Isso aqui é completamente diferente… É confortável, sabe? Tu estás entendendo o que eu to querendo dizer?

- To, Lia… E eu também te amo.