domingo, 23 de maio de 2010

Vai sonhando...

Ouvindo: Norah Jones, Feels Like Home

Desde pequena, Lia sonhava acordada. Não importava a confusão que estivesse o mundo, Lia sonhava. Sempre que deitava a cabeça no travesseiro, antes mesmo de fechar os olhos, já se via em outra história, em outra vida. Ou mesmo sem deitar, sem travesseiro, sem conforto, não importava, sonhar era a palavra de ordem, bastava acordar. Afinal, seus sonhos ao dormir, nada eram quando comparados com seus loucos devaneios.

Sonhava de tudo e com tudo. Em viver nos mares, ser sereia, com seu príncipe encantado que não era humano, mas um belo tritão. Sonhava ganhar os céus, sair pela janela do quarto e voar até a escola, onde tudo era divertido. Sonhava ser amiga do Gasparzinho, e ficar com o Devon Sawa no final do filme. Sonhava com a visita de uma coruja, descobrir que era uma bruxa, estudar em Hogwarts, e ser amiga do Harry, claro.

O tempo passava, e Lia ainda sonhava. Fez intercâmbio nos Estados Unidos, onde conheceu Matthew, seu melhor e mais amado amigo imaginário, que morreu em um acidente de carro, e Lia, acordada, chorou sua perda. Sofreu por seu inventado amigo, que mesmo após a morte, voltou pra visitá-la. Ora, o sonho era dela, ele voltava quantas vezes ela quisesse, sem contar que ele prometeu que não a deixaria...

Já morou na Califórnia, onde dividiu apartamento com Josh Hartnett, e foi amiga do Chad Michael Murray, vivendo um triângulo amoroso digno de Hollywood. Teve um pequeno apartamento em Londres, trabalhou num coffee shop, e acabou numa conturbada relação com o Príncipe Harry. Já impressionou Jude Law, e teve um caso com Johnny Depp.

Já casou com o surfista dos seus sonhos – mas esse não era imaginário, era real, porém inalcançável. Conquistou seu primeiro amor platônico. Foi traída, e deu a volta por cima. Vivenciou as mais hilárias aventuras, e passou pelos mais dramáticos momentos. O seu humor ditava o rumo dos sonhos. Perdeu o controle. Manteve o controle. Quebrou todo o quarto. Correu na praia, na chuva, no campo, feliz, com ele. Fez de tudo, mas não fez nada.

Imaginação, Lia tinha. Andar por todos os cantos do mundo, ela conseguia, mesmo que sentada na cozinha de casa. Mas a vida... essa não era tão fácil. Essa era bem difícil de controlar. E Lia passou a fugir pros sonhos, que ficavam cada vez mais embaçados. Ela não conseguia mais se ver longe. Não encontrava mais conforto nos encantos da sua mente. Lia estava cansada. Não encontrava mais combustível para os sonhos. E eles acabaram. Lia não mais sonhava.

Perdida, sem raízes ou planos, Lia vendeu o que tinha, botou uma mochila nas costas, juntou seus sonhos, escolheu o primeiro destino e, enfim, saiu pra vida.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Autossabotagem

Lia era uma menina tímida e nada comum. Não por fora, mas por dentro. Sua aparência, sim, era normal. Estatura média. Cabelos rebeldes e olhos curiosos, tudo com uma cor de chocolate ao leite derretido. Nem gorda, nem magra. Normal. Mas sua personalidade... Era bem difícil encontrar alguém que a pudesse entender.

Talvez nem fosse por falta de tentativa. Tinha algo em Lia que realmente aproximava as pessoas. Mas ela não se mostrava facilmente. Como eu disse, ela era tímida. Muito tímida. E, por conta disso, disfarçava essa timidez com sorrisos e atrevimentos - estes últimos, nem sempre bem recebidos. Assim era mais fácil. Como uma capa protetora, evitando que qualquer um entrasse e fizesse o que bem entendesse.

Quem visse Lia, deparava-se com uma garota alegre, segura e autosuficiente. Sempre disposta. Raramente intimidada. Ninguém podia realmente enxergar seus momentos de tristeza e insegurança. Ninguém sabia o quanto se apoiava e encontrava força em seus amigos. Muitos sentiam-se intimidados por ela. Poucos conheciam suas fraquezas.

Não que tudo fosse uma farsa. Lia possuía um pouco de cada dentro de si. Força e fraqueza. Timidez e segurança. Medo e coragem. Era apenas uma questão de escolha do que mostrar. E ela só mostrava as partes que lhe convinham. Raros eram aqueles que conheciam Lia como um todo. E ela adorava fingir que nem esses podiam ver o que escondia.

Mas algo estava errado, e ela podia sentir isso. Por mais que tivesse... medo, Lia queria que a conhecessem. Queria alguém que a entendesse, e gostasse do que visse. Ansiava por alguém com quem dividir o seu todo. Sem restrições. E estava cansada de ver o quanto as suas próprias barreiras anulavam qualquer chance disso acontecer.

Lia queria alguém.

Mas Lia não sabia como manter esse alguém por perto...

* * * * *

PS: Foi difícil usar esse título. Ainda não me acostumei com esse novo acordo ortográfico. :S